quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Simplesmente Eve II

Na mesma noite, minha criadora preparou mais um de seus deliciosos pratos para nós. Normalmente economiza os ingredientes de fora da Ilha, mas usou boa parte deles neste jantar. O motivo estava claro para mim.


Ao nos sentarmos a mesa, não me surpreendi quando a ouvi dizer:

– Adam, a Eve vem me visitar na próxima semana. Já encomendei um PC e uma mesa para você. Quer mais alguma coisa? – Achei estranha sua entonação, havia apreensão. Não entendia porque estava nervosa com a vinda da amiga.


Em milésimos de segundo encontrei a resposta, estava relacionada ao meu primeiro contato com Eve. Para mim o encontro parecia promissor, todavia Ella estava apreensiva com a reação da artista.


Não quis interrogá-la, esta manhã já foi muito difícil para minha criadora. Ficou duas horas, três minutos, quarenta e nove segundos entregues às lágrimas na biblioteca, antes de voltar ao trabalho. Um sinal evidente de seu desconforto com toda a situação.


Resolvi apenas responder sua questão:

– Estou trabalhando em alguns projetos novos e fiz uma lista do material necessário para executá-los. Existe uma outra dos livros os quais desejo ler. As duas estão em seu computador.


– Perfeito, fica mais fácil assim. Vou mandar a lista do material diretamente aos meus fornecedores usuais. Você mesmo pode encomendar os livros pela internet e pedir a entrega no ateliê da Eve, já sabe o endereço mesmo. – Havia certa ironia na última frase, deixando claro não ter apreciado a minha busca na rede por informações sobre a sua amiga.


A esta altura, era melhor esclarecer bem as coisas, para não restar mal-entendido:

– Não sei o seu endereço, apenas seu nome. Você mesma me deu sua senha especificando claramente a abrir só os e-mails comerciais e não ler os de Eve Wells. Respeitei seu pedido. Estava curioso para descobrir mais sobre sua amiga, por isso procurei por ela na internet.


Ella notou seu prejulgamento e se corrigiu, um tanto envergonhada:

– Perdão, Adam... Eu... Esta manhã... Fiquei chateada com você por buscar informações sobre Eve, não queria que tivesse uma impressão errada. Eu a amo como a uma irmã e desejo ver vocês se dando bem. Mas minha irritação não é com você, foram as lembranças de uma cena que tento esquecer.


Depois disso, voltamos a jantar normalmente, evitei falar qualquer coisa, por conta da dor ainda existente em sua entonação. Somente deixei claro não haver necessidade de perdão, não precisava se preocupar comigo. Minha programação compreendia perfeitamente suas mudanças de humor.


Entretanto, estava apreensivo, desejava identificar o motivo de tanto sofrimento. Mais uma vez me vi impotente para fazer grandes descobertas. Ella estava determinada a esquecer e sem a sua cooperação, fiquei sem opções. Minha rede neural apontava Eve como a mais provável fonte de informação.


Passamos a semana sem tocar no assunto. Minha criadora evitava qualquer confidência a mais, se dedicando ao trabalho. E acabei por respeitar seu silêncio, seguindo seu exemplo.


Na oficina, seu empenho em esquecer, se transformou em uma obsessão pelo trabalho manual, restaurando algumas carcaças. A energia de suas marteladas, normalmente mais fracas, tornou o som ambiente insuportável, me afastando do escritório.


Passei o tempo me dedicando à horta, mantendo meus sentidos ocupados com as plantas. Estimulava todos eles: a visão, com a mistura de cores e tons dentro da estufa; o olfato, com os aromas dos temperos e frutas; o tato, acariciando cada pétala de flor; o paladar, com o sabor da hortelã fresca dentro da boca; e a audição, procurando escutar o distante murmúrio do mar.


Como se a conexão com a terra pudesse fornecer mais dados e informações, muitas vezes me deitava sobre o seu leito, me sentindo como um primitivo saudando a Mãe Terra. Buscando penetrar na sua essência e encontrar respostas para a minha existência.
Detestava a sensação de impotência.


Quando minha criadora terminou o último projeto de consultoria daquela semana, observei sua ansiedade. Não parava de me seguir e puxar assunto. Desejava falar alguma coisa e parecia faltar-lhe coragem para completar seu intento.


Ao reconhecer os motivos para sua aflição, a interpelei:

– Há alguma coisa que você gostaria de me dizer? É sobre a Eve?


Ella respondeu admirada:

– Como você sabia que era sobre Eve? – Fez uma leve pausa, sem me dar oportunidade para responder e acabou concluindo sozinha – Não tenho como esconder nada de você, conhece cada uma das minhas emoções. Deve até saber por que preciso conversar, acertei?


E realmente sabia:

– Sua amiga tem certa fobia a androides, não gosta nem um pouco da ideia de conviver com um ser como eu. Provavelmente vai tratar-me como a qualquer outro de seus robôs. E você não gostaria de nos ver em atrito.


Minha resposta a surpreendeu ainda mais e comentou:

– Eu não poderia ter colocado de forma melhor, Adam. É exatamente isso. – Seu olhar demonstrava sua preocupação não só com o bem-estar de sua amiga, mas principalmente com o meu.


3 comentários:

  1. Ain, Mita, que aflição!! ><'
    E que perfeição! :D

    Cada foto está impecável, aquela do Adam deitado próximo às flores, então, ain! *-*

    Amei, amei, amei!!

    Beeeeeijos.

    ResponderExcluir
  2. Mita!
    Não tinha comentado na outra atualização, mas a entrada da Eve na história e o tal acontecimento no passado da Ella estão agunçando minha curiosidade.

    E o Adam é de mais, se fosse humano já tinha fuçado no diário dela a muito tempo para saber todos seus segredos, rsrsrs
    bjkas

    ResponderExcluir
  3. Ingrid!
    Nem pensei que ia comentar aqui também! O.o
    E a Carol que não queria surpresas esta semana...
    Tirei trocentas fotos dele entre as flores e a terra. Esta foi a que mais gostei!

    Chris,
    Eu já teria lido aquele diário há muito tempo! rsrsrsrsrs
    Não deixe seu diário onde eu possa ver. Ella conhece o código de ética rígido de sua criação. Só por isto deixa a vista. Se eu morasse lá, já teria escondido! keke
    É a vinda de Eve vai mexer com o Adam e com Ella. Sabe aquela pessoa cheia de energia que não para de falar e não consegue ficar parada um minuto: a Eve!
    bjos


    Obrigada pela presença constante!
    bjos, *.*

    ResponderExcluir