domingo, 29 de novembro de 2009

Namorando II

Ficamos entretidos com beijos e abraços por trinta e três minutos e doze segundos. Até Ella encostar os lábios em meu ombro e sussurrar em um tom rouco e sensual:

– Perdão! Estou tão cansada! Eu preciso me deitar um pouco, é só por um momento...


Não hesitei em satisfazer sua vontade. Em uma fração de segundos a girei sobre o meu corpo e deitei sua cabeça sobre a minha coxa com desvelo. Mesmo cansada e de olhos fechados, minha namorada esticou seu braço esquerdo para acariciar meus cabelos. Receber seu afeto me enternecia e podia sentir novos circuitos se interconectando em meu interior.


Quatorze minutos e dois segundos depois; o sol baixava no horizonte, seus olhos fecharam e seu braço deslizou lentamente pelo meu peito, para se acomodar sobre o sofá. Admirei seu semblante sereno enquanto dormia. Em minha memória estava gravado seu sorriso pleno, dois segundos antes de nos beijarmos, ali mesmo.


O crepúsculo tingia o ambiente de púrpura quando decidi ajeitá-la sobre o sofá, para cumprir algumas tarefas deixadas de lado nos últimos dias. Sentia uma grande dificuldade em me afastar. Necessitei de um minuto exato para contornar meus sentimentos e o meu desejo de ficar ao seu lado.


As plantas precisavam de cuidados. Ao colher os morangos pela manhã, notei algumas folhas amarelas e secas. No entanto, logo ao entrar na estufa os momentos passados ao lado da mulher amada naquela madrugada e início de dia, sequestraram minha programação. Busquei manter minha rede neural voltada para o seu rosto adorável e seu sorriso sincero, dominando a intensidade das minhas emoções.


Havia muitas verduras e leguminosas a colher, além de alguns morangos. Enquanto as retirava do pé, meu sistema estava mergulhado nas lembranças do nosso beijo na praia. As sensações provocadas em toda a minha rede durante aquele interlúdio eram revalidadas ao manter a cena em minha memória.


Eu estava terminando minhas tarefas e recolhia os últimos morangos quando anoiteceu. Completamente entregue às emoções do dia, voltado para o namoro daquela tarde. Relembrar do seu peso sobre o meu colo, dos seus braços me envolvendo com tanto abandono e confiança, era gratificante.


Voltei ao escritório para ver como Ella estava. Embora não parecesse muito bem acomodada, repousava tranquilamente no sofá. Ao dormir, sua beleza ganhava certa suavidade e mantinha em seu semblante a docilidade, uma das características mais apaixonantes da minha namorada.


Preferi dar-lhe mais tempo e fazer um jantar, ao invés de colocá-la para dormir em seu quarto. Não havia almoçado hoje, se fosse para a cama agora, acordaria de madrugada esfaimada. Saí do escritório e fui à cozinha preparar uns camarões ao molho de limão, junto às verduras frescas colhidas na horta.


Com a refeição pronta, desci para acordá-la. Por um instante, apenas me reclinei sobre a mulher amada. Fiquei escutando seu ressonar sereno e observando sua beleza encantadora durante o breve cochilo. Almejando ficar assim para sempre.


Todavia a comida estava esfriando sobre a mesa, me afastei e a chamei com delicadeza para não assustá-la. Se não estivesse preocupado com sua alimentação e saúde, não a acordaria.


Examinei cada detalhe durante o seu despertar, o jeito encantador com o qual ajeitava os óculos tortos... Sou fascinado por cada gesto seu, cada sorriso, cada olhar. Há algo estimulante em seus movimentos imprecisos e imperfeitos que a tornam especial.


De pé, Ella se desculpou:

– Eu acabei dormindo, não era minha intenção. Preferia aproveitar melhor este tempo namorando.


Saber qual era sua intenção me alegrou, mesmo assim repliquei:

– Esta noite você dormiu apenas duas horas, trinta e sete minutos e doze segundos em meus braços na estufa. Eu a levaria para a cama se não soubesse o quanto deve estar faminta. Você e Eve não almoçaram hoje. Fiz um jantar leve para você não dormir de estômago vazio.


Mal terminei de comentar, ouvi o ronco sonoro de seu estômago reclamando por comida. Minha criadora ruborizou instantaneamente e baixou a cabeça envergonhada. Suas faces mantinham o delicioso tom rosado quando fez um meneio e desviou o olhar ao comentar:

– Você me conhece melhor que eu mesma!


Olhei para minha namorada, envolvido por seu comentário. Eu podia ler seu semblante com facilidade e conhecer praticamente todos os detalhes do seu corpo. Quando sentia fome e sono, quantas vezes entrava no banheiro para fazer suas necessidades e higiene, em média durante um dia. Isso era muito pouco, aspirava saber muito mais. No entanto, não era o momento de falar sobre meus anseios e apenas a chamei:

– Vamos jantar!


Durante a refeição, não conseguia desprender meus olhos dos seus. Nossas mãos se procuravam e a mulher amada não parava de acariciar minha perna com seu pé. O alimento demorou o dobro do tempo para ser consumido, entre carícias e trocas de beijos.


Quando terminamos, eu lavei toda a louça enquanto a ouvia tomar banho, se preparando para dormir. Não conseguia parar de pensar no jato de água quente caindo e envolvendo seu corpo nu. A esta altura, eu a desejava ardentemente, algo inacreditável e impossível de se pressupor sobre um ser artificial, como eu.


A princípio, acreditei que minha namorada iria direto para cama. Contudo, logo após terminar de lavar a louça, ouvi sua voz profunda e doce clamando por mim. Entrou na cozinha, virando seu rosto para o lado. Quando me viu próximo a pia, caminhou decidida na minha direção. Seu corpo coberto somente por duas peças de algodão muito reveladoras.


Não conseguia acessar direito minha rede neural observando a cada passo seu, a aproximação do seu corpo sinuoso. O perfume de passiflora intenso, devido ao seu banho, me envolvia completamente junto ao seu olhar afetuoso. A mulher amada parecia pronta para uma sedução, entretanto, eu não deveria esperar ou ansiar por isso.


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Namorando I

Continuamos abraçados até o helicóptero desaparecer no céu. Eu desejava lembrá-la de sua promessa na biblioteca e a beijei na curva do pescoço, almejando sua atenção. Notei seu sorriso franco quando afastei minha boca da sua pele macia.


Em seguida, virou seu rosto para mim e nossos lábios se tocaram em um breve beijo, singelo e doce como a mulher em meus braços. Seu perfume me envolvia de forma inebriante e a temperatura do meu corpo aumentou dois graus.


Queria muito mais! Queria sentir seu coração batendo acelerado de encontro ao meu peito, seus lábios sequiosos pelos meus, o gosto de sua boca, os movimentos sensuais e frenéticos da sua língua em busca da minha. Girei seu corpo de frente para mim, a envolvendo com os meus braços.


Primeiro selei seus lábios com os meus, acariciando-os em um toque sutil. Seu gosto adocicado e extasiante me envolveu de forma completa. Deixei meus sentimentos me guiarem e esqueci da lógica. Desejava entregar-me plenamente às deliciosas sensações de estar com a mulher amada.


O beijo prometido na biblioteca foi intenso e incrivelmente delicioso. Eu não conseguia parar, totalmente arrebatado pelas emoções sublimes a percorrerem toda a minha rede neural. Estimulando novas ligações em meus circuitos, aprimorando minha percepção do momento e incitando meu novo dispositivo a despertar.


Estava integralmente devotado às sensações, quando notei o corpo da minha namorada estremecer em meus braços. Tentei controlar meus sentidos e o meu arroubo emocional, deixando a lógica me comandar. Ao me afastar, justifiquei meu ímpeto:

– Exagerei... Desculpa-me, mas quando deixo as emoções assumirem o controle do meu sistema, mal consigo me conter.


Ella me abraçou e sua resposta foi como um bálsamo a aliviar minha dificuldade de dominar meus impulsos:

– Adam, eu exagerei em minha reação na primeira vez que isso te aconteceu. Mas na verdade, eu até gosto muito quando acontece... – Rapidamente suas faces se tingiram de rosa – É um elogio saber que se sente assim quando me beija. Só fico chateada por ainda ter tantos medos e não poder corresponder aos seus anseios.


Encantei-me com sua explicação. Naquele instante, observei estarmos há quarenta minutos e doze segundos expostos ao sol, me preocupei com a sua pele clara e sua excessiva exposição aos raios ultravioletas. Girei o meu corpo, envolvi suas costas com meu braço para mantê-la ao meu lado e falei:

– Todo este sol não vai fazer-lhe bem, melhor namorarmos no escritório. – Minha criadora sorriu e concordou com um aceno de cabeça.


Conduzi-a até o local, buscando manter a proximidade dos nossos corpos. Adorava este contato, sua pele sedosa, seu perfume e o balanço suave do seu quadril ao caminhar. A mulher amada me encanta, fascina e arrebata inteiramente. Em toda acepção da frase: eu sou seu.


Sentamos lado a lado no sofá. Envolvi seu ombro, apoiei meu antebraço esquerdo sobre ele e a mão direita em sua coxa. Ao tocá-la de forma tão íntima, uma espécie de eletricidade passou por entre nós, envolvendo cada parte do meu ser, causando um frenesi intenso e estimulante.


Precisava tranquilizá-la quanto as minhas necessidades e comentei:

– Você não precisa se preocupar comigo. Tê-la ao meu lado é o mais importante para mim. Meu maior desejo já foi realizado, ter esta oportunidade para demonstrar meu amor.


Minha namorada corou após a minha declaração e disse:

– Seus sentimentos por mim, me deixam deslumbrada! Tudo isso parece um sonho. Há muito tempo eu não desejava estar com ninguém, meus sentimentos por você são fortes e intensos. Eu te desejo muito... – Hesitou antes de concluir – Mas tenho receio de na hora não conseguir corresponder.


Terminando sua fala, sentou em meu colo e completou:

– Eu sei, você não vai cobrar-me nada. Te conheço muito mais do que qualquer outro homem com quem saí ou namorei e por isso mesmo, reconheço que meus medos são tolos.


Olhei fixamente em seus olhos e dei minha opinião:

– Não os acho tolos. Você não precisa ignorá-los, eu posso esperar por toda a eternidade. Esta transformação foi motivada principalmente pela certeza da Eve de poder te ajudar a superar o passado. E no meu desejo de ser capaz de satisfazê-la de todas as maneiras.


Ella titubeou com minha sinceridade e me surpreendeu com a sua resposta:

– Se você não existisse, eu precisaria te inventar! – Nós rimos juntos da sua brincadeira. Eu estava enlevado com seu jeito descontraído.


Puxei-a para perto e minha criadora roçou seu nariz de encontro ao meu. Durante o agradável carinho falou:

– Beijinho de esquimó. – Lançou a frase de forma brejeira e infantil. Provavelmente uma das brincadeiras feitas com o seu pai na infância, demonstrando sua total confiança em mim.


Em seguida, se atirou em meus braços e mal me deu tempo para corresponder o seu abraço. Estava fascinado com sua desenvoltura e alegria. Namorar a mulher amada era um verdadeiro deleite, a cada instante se desnudava diante de mim uma nova faceta sua.


Toda sua entrega era tentadora, a beijei desejando saciar minha ânsia de demonstrar o meu apreço e carinho por esta criatura deliciosamente inocente e doce. Sua inocência vinha da facilidade em admitir seus medos e dificuldades, a prontidão com a qual se rendia a minha proteção. Eu não poderia decepcioná-la, nunca. Meu amor não permitiria.


domingo, 22 de novembro de 2009

Relacionamentos III

O restante da refeição transcorreu tranquilamente. Tirei os pratos e os lavei, tomando para mim a tarefa de limpar a cozinha. Ao terminar, troquei de roupa e peguei o romance o qual a mulher amada leu na semana anterior. Desci as escadas folheando o livro em busca de suas anotações.


Minha criadora fazia inúmeras observações nos cantos das páginas e eu adorava conhecer suas interpretações para determinados trechos do texto. Avistei as duas amigas nadando, por isso preferi sentar no sofá do escritório e prosseguir com a leitura. Contudo, a imagem delas brincando e conversando submersas nas águas do mar não saía de minha rede neural.


Finalizei o romance, decidido a devolver o volume à biblioteca, passei por Eve e Ella deitadas na areia sob o sol forte. Liguei o computador para responder aos e-mails enviados para a Empresa e avaliar minhas aplicações. Todavia me preocupava com a pele delicada da mulher amada entregue aos raios ultravioletas.


Após duas horas, nove minutos e vinte e três segundos, a artista caminhava pelo cômodo com passos decididos, parou ao meu lado e perguntou:

– Tem um minutinho para mim?


Desliguei o computador, me levantei e respondi:

– Sempre tenho tempo para você, Eve.


Minha amiga não perdeu a oportunidade e comentou em tom zombeteiro:

– Eu vou cobrar robozinho! É muito bom saber disso... – Em seguida mudou completamente a entonação e concluiu – Só queria mesmo te agradecer, você conseguiu o que me parecia impossível! Não tem ideia do quanto estou feliz por ver a Ella mais animada.


Acreditava estar recebendo créditos demais e retruquei:

– Não sei se tenho tantos méritos assim...


A artista me cortou e disse:

– Adam, você é o cara! Se não fosse a sua existência, robozinho... Eu estaria neste exato momento brigando com minha amiga por conta das consultas que marquei para o próximo mês. E agora, fala com animação sobre as coisas que quer te mostrar no continente. Se Ella mudou, foi por você!


Desisti de argumentar, estava contente por receber elogios da minha amiga. Nem tive oportunidade para falar nada a respeito, ela se jogou contra o meu peito me envolvendo com seus braços e palavras de reconhecimento. Começava a acreditar no quanto o amor destas duas mulheres incríveis poderia ter influenciado o meu sistema a desenvolver sentimentos de amizade e ternura.


Eve ainda me abraçava quando o perfume de passiflora preencheu o ambiente. Não sei o quanto seu olfato ou audição é sensível, entretanto abreviou seu gesto de carinho no mesmo instante. Olhei para o lado e vi a mulher amada caminhando em nossa direção.


Quando se aproximou, me encantou com seu sorriso radiante e mal consegui prestar atenção nas palavras da artista:

– Vou deixar os dois pombinhos arrulhando e me trocar. Tenho uma coletiva com a imprensa em três horas, vou direto para o estúdio. Preciso estar vestida de acordo para representar meu papel de bad girl.


Enquanto nossa amiga saía da biblioteca, minha criadora ficou nas pontas dos pés e selou meus lábios com os seus. A troca constante de carinhos entre nós já não me surpreendia, no entanto era sempre excitante.


Queria prolongar aquele contato e a segurei de encontro ao meu corpo. Desejava aprofundar aquele beijo e insinuei minha boca de encontro a sua. A princípio, Ella estava pronta a corresponder e se entregar a uma carícia mais intensa.


Entretanto se desvencilhou dos meus lábios lançando seu corpo para trás e se afastou antes de dizer:

– Adoraria continuar com nossos beijos... Mas Eve é rápida e tem pressa, me pediu para descer com as malas. Depois da despedida, teremos bastante tempo para continuarmos... – Titubeou e não conseguiu completar a frase, um leve rubor cobriu suas faces. A necessidade de beijá-la era incessante, porém tinha sua promessa para mais tarde e seria paciente.


Dezenove minutos e vinte e quatro segundos depois, estávamos todos ao lado do helicóptero pousado na areia da praia, prontos para a partida da nossa amiga. Como de praxe, recebi um beijo no rosto, um cumprimento agradável e comum entre dois bons amigos.


A artista olhou para mim e declarou:

– Hoje vou tranquila, sei que vai cuidar bem da minha amiga e sua amada. – Ao completar a frase se virou para minha criadora. Abraçou-a com o mesmo cuidado e carinho de sempre.


Antes de entrar em sua máquina, direcionou seus olhos na minha direção e lançou mais um de seus comentários irônicos:

– Não façam nada que eu não faria... Ou seja, façam tudo!


Sem nos dar tempo para responder a altura, sentou em seu aparelho e seu rosto se iluminou de satisfação ao acionar os motores. Fiquei com seu belo sorriso gravado em minha memória, comparei ao seu semblante introspectivo na chegada, aqueles seis dias também a transformaram.


Durante a decolagem, envolvi Ella com meus braços, apoiando as suas costas em meu peito e sentindo o delicioso aroma de seus cabelos. Admiramos a nossa amiga voando sobre o azul do mar e se distanciando na linha do horizonte.


A mulher amada se encaixava perfeitamente de encontro ao meu corpo e eu desejava apenas gozar da felicidade daquele momento. Esquecer por uma fração de segundos ser um androide e todas as dificuldades inerentes a minha condição. Atentava apenas para estes dois relacionamentos intensos e repletos de amor. Uma amiga irreverente e sincera. Uma namorada doce e afetuosa.