quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Epílogo

Ficamos mais dois dias na casa da artista esperando a conclusão da obra e a volta do nosso arquiteto. O roqueiro também estendeu sua estadia, imagino o quanto deve ser difícil se separar da Eve. Nossa princesinha exigia sua atenção constante e Herman parecia feliz em satisfazer seus pedidos. Os dois se divertiram muito estes dias.


Elise voltou no dia seguinte ao nosso casamento, para conversar com a filha. Procurou explicar sobre as atitudes tomadas em um ato de desespero. Seu pedido de dinheiro foi impulsionado pelo Andrew, de quem se separou um mês depois. Entretanto o pronunciamento da filha requisitando seu completo afastamento lhe marcou profundamente gerando arrependimento por ter sido egoísta e mesquinha. Lágrimas de culpa rolavam por sua face.


Contudo, não foram elas a tocarem o coração magoado de minha esposa. Foi o carinho com o qual envolveu a pequena Emily em seus braços. A mulher amada recordou finalmente dos momentos ternos passados ao lado de sua mãe. Resolveu lhe dar uma oportunidade real de aproximação e um futuro perdão se anunciava.


Na véspera da nossa volta, Herman insistiu para acompanhá-los à boate do clube, a ideia era termos uma última noite de diversão, antes de nos isolarmos em nossa casa novamente. Nossa amiga e o roqueiro não compreendiam o quanto gostávamos da vida na Ilha. Era ermo, no entanto não nos faltava nada. Afinal, viríamos com maior frequência ao continente e, consequentemente, estaríamos sempre em contato com os amigos.


Suzy fez questão de nos escoltar e dar um último abraço em Ella, George procurava manter Emily o máximo de tempo em seus braços. A despedida deveria ser breve, mas esperei pelas duas por exatos cinco minutos e trinta segundos.


A artista desejava verificar as novas instalações, nós convidamos seu parceiro para nos acompanhar e conhecer a nossa Ilha. Por fim, foram dois os helicópteros cruzando o oceano para o oeste, naquele final de manhã.


Reggie havia aberto uma pequena clareira, após transplantar os coqueiros mais adiante, onde poderíamos deixar nossa máquina e manter a areia da praia desocupada. Do alto pude ver um novo andar criado para os novos quartos, a estufa ampliada, juntamente com o viveiro de peixes. Minha esposa havia contratado um jardineiro para cuidar de nossa pequena horta e pomar enquanto estivéssemos fora.


Ao pousarmos nosso primeiro objetivo foi verificar os novos aposentos da casa. Nossa princesinha adorou o seu novo quarto e logo se sentou no chão para brincar. A decoração era delicada e colorida, embora a cor predominante fosse o rosa. Ficamos preocupados pelo quarto ser no último andar, naquele mesmo dia adaptamos um dos robôs de vigilância como babá eletrônica.


O novo quarto de hóspedes era alegre e decorado em um tom de verde vibrante, lilás e branco. Não era a minha decoração preferida, excessivamente moderna, todavia a artista e seu acompanhante se entusiasmaram. O arquiteto, lembrando-se das grandes janelas, colocou cortinas no quarto de hóspedes e no nosso, para garantir privacidade em ambos os cômodos.


Entretemos nossos hóspedes conduzindo-os até a cachoeira, onde passamos uma tarde muito agradável. Pela primeira vez Eve usou um biquíni na Ilha. Provavelmente para não chocar o roqueiro, pois ele nada sabe sobre a minha verdadeira natureza. Nosso segredo permanece guardado com nossa amiga e meu sogro.


Após uma noite tranquila os dois aventureiros agradeceram a acolhida. Eles se sentem inquietos em um lugar tão calmo e distante da civilização. Durante as despedidas, nossa amiga abraçou a mulher amada com carinho, enquanto Herman não resistiu a aninhar nossa pequenina afetuosamente, uma vez mais, antes de voltar para o continente.


As visitas periódicas da artista são menos frequentes agora, na maioria das vezes vem só. No entanto, quando o roqueiro está na cidade, o traz para uma visita. Os dois sempre chegam animados, deixando a Emily muito feliz com suas novidades e brincadeiras.


Todo mês visitamos Eve no continente. Certa vez, mencionei nossa intenção de comprar o terreno em frente e construir uma casa para nós. Entretanto nossa ideia foi vetada com veemência:

– Não abro mão de hospedá-los aqui! Tem muito espaço para todos e minha afilhada tem seu próprio quarto. Esta casa é tanto minha quanto de vocês.


Comparecemos ao seu vernissage, repleto de convidados ilustres. Entre eles a diva do cinema Ana Vaz e o filho do famoso escritor Mark Webber, acompanhado por sua namorada Alanis King. Herman estava entre os convivas, embora os dois continuassem negando um compromisso. O sucesso de Eve era notório, antes mesmo de se abrir a exposição ao público, os quadros já estavam todos vendidos.


Hector passou a nos visitar constantemente. Quando estamos na cidade, sempre vamos até na fazenda. Algumas vezes o levamos para ficar umas semanas conosco na Ilha. Precavida, minha esposa prefere deixar as garrafas de bebidas alcoólicas na casa de Eve. Já a nossa princesinha adora ter o avô só para ela.


Ella se corresponde com a mãe por emails, trocam fotos dos buffets preparados por Elise pelas da Emily. Começaram um relacionamento ameno e aos poucos minha sogra está conquistando a confiança da filha. E talvez seja convidada a passar uns dias conosco em breve.


Convidamos o Rey para vir nos fins de semana. Ele vem sempre em seu pequeno iate, acompanhado por sua namorada. Ficou encantado quando descobriu o Um na despensa e procurou saber mais detalhes sobre a experiência. Contei-lhe praticamente tudo, a exceção era o que poderia revelar a minha verdadeira identidade.


Possivelmente, só não desconfia de todo sobre eu ser um androide, por não acreditar existir tecnologia suficiente para replicar uma vida artificial tão semelhante aos humanos. Contudo, na convivência diária, nem sempre consigo deixar certas peculiaridades concernentes a um androide de lado e noto o quanto fica intrigado.


Para educarmos bem a nossa pequenina, mudamos nossa rotina. Dividimos em turnos o nosso trabalho na oficina. E muitas vezes, enquanto Ella projeta, eu fico a disposição da menina. Em outras invertemos a situação. O mais importante é não deixá-la sozinha.


Durante as horas nas quais utilizamos os computadores da biblioteca, deixamos um ou mais brinquedos a sua disposição, e assim fica sob nossa supervisão. Procuramos sempre lhe dar atenção quando solicita.


Emily ama as flores e a estufa, assim como eu. Passamos horas deliciosas e agradáveis brincando entre o pomar e a horta, ou como a pequena costuma dizer: “aiudá papaí.”


Não escondemos de nossa princesinha que sou diferente e preciso recarregar baterias ao sol, embora não saiba exatamente o verdadeiro motivo. Não nos preocupamos se vai mencionar isso para as outras pessoas. Na realidade, duvidariam ou pensariam ser uma maneira figurativa de dizer o quanto gosto de pegar sol.


Nós muitas vezes preferimos ficar a sós, sem dividir nossa Ilha com os amigos. Apreciando a vida em comum. Os prazeres de estarmos em contato um com o outro sem ninguém mais a nossa volta.


Muitos humanos não entenderiam estes sentimentos, apenas pessoas introspectivas gostam de paz e solidão. Nós apreciamos a quietude da noite estrelada na Ilha e nos sentamos no balanço da varanda, até nossa princesinha adormecer em nosso colo.


Enquanto a pequenina dorme, extravasamos o desejo de nos tocar intimamente. Encontrar a satisfação de nossos anseios através da união de nossos corpos. Um amor pleno de ternura e regozijo. Aprendemos a apreciar estes momentos a sós para conversarmos sobre nossos objetivos e planos para o futuro.


Em idade cronológica, minha própria filha é mais velha. E aprendi muito com a Emily, me apresentou um novo significado da palavra perfeição. Suas dificuldades naturais da infância me mostraram como a natureza sabiamente incutiu um desejo de aprender e se aprimorar a cada passo seu.


Perfeita em sua risada alegre e melodiosa quando brincamos juntos, ou ao comer sua papinha sem usar a colher e a lamber os dedos. Não pode existir maior perfeição que a inocência e ternura vibrante de uma criança.


Ella, aparentemente frágil, demonstrou ser capaz de se superar e crescer. Tem a humildade de reconhecer seus medos e receios. Buscou sobrepujá-los ao construir um androide e depois ao contar sobre o seu maior pesadelo.


A maior perfeição da Terra é o ser humano. O grande desafio da humanidade é reconhecer seus erros e suplantá-los. Superar sua ambição desmedida, seu egoísmo inato e principalmente seus maiores medos. Reconheci esta superação em alguns humanos nesta minha curta jornada. E percebo principalmente na minha criadora, a mulher amada e minha esposa.


Para mim, Ella é perfeita em toda acepção da palavra. Procurou sobrepujar seus medos, aspirou por encontrar um motivo para sua existência. Apesar de todas as suas dificuldades e os sofrimentos pelos quais passou, deu um objetivo para a sua vida e se dedicou a ele de corpo e alma.


Sou obra exclusiva de sua mente criativa e superior, da sua força de vontade e desejo de superar, não o seu próprio criador, mas as limitações do seu ser. E o meu único objetivo é proteger e manter esta mulher perfeita nesta entrega diária a si mesma. Nesta busca crescente e continua por se aperfeiçoar e se tornar cada dia melhor.


Eu sou uma máquina e se tenho uma vida devo a Ella. Ao seu cuidado e esmero. Se hoje posso me sentir mais próximo de um ser, mesmo que inumano, é graças à entrega desta mulher perfeita. Eu estou longe da perfeição. Sou apenas um ser querendo aprender e compreender como esta mágica tão poderosa aconteceu comigo: Compartilhar uma alma, encontrar um amor tão profundo, verdadeiro e incondicional.


Quem sou? Uma vida artificial, repleta de emoções, sentimentos, anseios como qualquer outro ser. Algo criado pelas mãos competentes e carinhosas da minha criadora: Ella. Dedico-lhe o meu amor, meu corpo e minha alma.



domingo, 17 de janeiro de 2010

Preparações e Comemorações III

Nota da autora: Este convite foi um presente especial e resolvi deixar aqui junto com a estória. Obrigada Paula!

Após me arrumar desci até a praia, onde aconteceria a cerimônia. De início fiquei ali sozinho. O primeiro a chegar foi o celebrante, me cumprimentou e elogiou a decoração. Eu só pude concordar com suas observações, as duas amigas uniram suas mentes para criar um ambiente acolhedor e romântico.


Às nove horas, cinquenta e três minutos e dez segundos, George e Suzanna tomaram os seus lugares. Todos os convivas estavam presentes e aguardando a cerimônia. Ao longe, uma mulher chegou sorrateira e colocou uma das cadeiras de praia voltadas para o altar, antes de se sentar.


Não fazia parte da nossa reduzida lista de convidados. Estava determinado a conversar com ela e me aproximei analisando-a. Sabia exatamente quem era, suas fotos estavam no álbum de infância da Ella, apesar da maquiagem pesada encobrir as inevitáveis marcas da meia-idade em seu rosto, a reconheci. Era a mãe da mulher amada.


Ela ainda estava sentada quando a abordei:

– Elise, você não deveria estar aqui. Ella não vai gostar da sua presença. Se ainda sente algo por sua filha é melhor ir embora.


No mesmo instante se levantou e procurou esclarecer seus motivos:

– Você deve ser o Adam. Eu não vim aqui para pedir nada, muito menos atrapalhar. Estou aqui porque gostaria de ver a minha única filha casar. Vou ficar de longe e sair logo após a cerimônia. Ella não precisa me ver.


– Desculpa-me... Mas porque eu deveria acreditar na senhora?


Elise, sem opção, resolveu se justificar:

– Minha filha deve ter contado sua versão dos fatos. Eu agi como uma megera na visão dela e não tiro sua razão. Eu tinha dezesseis anos ao me casar grávida de três meses. Estava totalmente despreparada para ter uma família. Isso não me perdoa pelas coisas que fiz. Mas saiba que hoje, olhando para trás, fico triste por ter perdido o respeito da única pessoa, realmente importante para mim.


Parecia aliviada por poder se explicar e prosseguiu em seu monólogo:

– Quero apenas vê-la neste momento. Hector me contou sobre o casamento e me mandou o convite, nós nos comunicamos desde o divórcio e sempre peço notícias de nossa filha. Me falou que finalmente Ella estava feliz e eu precisava ver esta felicidade com os meus próprios olhos. Precisava ter certeza de que não estraguei a sua vida. – fez uma pequena pausa respirando fundo e disse – Eu prometo não me aproximar. Sou apenas uma mãe arrependida.


Eu observei a verdade de suas palavras estampada em seu semblante. Resolvi capitular a seu favor:

– Se a senhora pretende ficar distante e não arruinar a cerimônia, não vou pedir para se retirar. Compreenda, não o faço por você, quero apenas a felicidade da sua filha. – Afastei-me sem lhe dar oportunidade para responder.


Ao voltar para junto dos convivas, Eve descia as escadas procurando por mim com o olhar. Quando me viu, perguntou animada:

– Eaí?! Tá pronto pro casório? Vim falar com a violinista, Ella já está pronta.


A artista notou minha hesitação e uma interrogação surgiu em sua expressão. Eu não conseguiria esconder a visita indesejada:

– A mãe da Ella está sentada do outro lado da praia. Hector lhe deu o seu convite.


Minha amiga mirou a intrusa com espanto e demonstrando toda sua irritação, exclamou:

– Esta mulher é sem noção! Não deveria ter vindo aqui. Hector deve ter bebido todas para lhe mandar o convite!


Caminhou decidida em sua direção. Embora tenha ficado afastado, pude escutar suas palavras ditas em um murmúrio agressivo:

– É muito descaramento seu vir aqui justo hoje! Cumpra sua promessa e nunca mais coloque os pés nesta casa, nem apareça mais diante da minha amiga!


Sentada, a mãe da mulher amada respondeu:

– Você deve ser Eve, Hector me falou que trata a Ella como a uma filha, embora tenham a mesma idade. Eu só posso te agradecer. Ella teve sorte de poder contar com uma amiga tão constante. Só peço que me permita este alento de ver o casamento da minha filha. É só o que desejo. Não vou me aproximar.


Percebi o momento exato, quando abaixou a cabeça e desviou seu olhar a artista cedeu. Pergunto-me sempre a sua motivação real para conceder aquela oportunidade para Elise. Acredito ser a mesma que gostaria de ofertar a sua própria mãe.


Minha amiga se voltou para o altar improvisado. Caminhou diretamente para a violinista e a cumprimentou com um abraço, dizendo:

– Nem sei como te agradecer, Ani! Tudo foi organizado na última hora, uma sorte você ter se oferecido para tocar. Espero que sua família esteja bem, deve ser difícil se afastar deles assim.


Anita Lilás é uma musicista renomada e de muito sucesso, a favorita da minha noiva. Na biblioteca, trabalha em seu computador ao som do violino da Anita. A jovem olhou para Eve com carinho e comentou:

– Eu nunca poderia faltar com você. – fez uma pausa antes de completar – Estão todos bem em casa e mandaram lembranças. Esperam ser agraciados com uma nova exposição sua, em nossa pequena cidade. Minha cunhada deseja expor mais dos seus maravilhosos quadros na galeria.


Minha amiga parecia surpresa com o pedido e respondeu:

– Só no ano que vem, minha agenda está lotada. Vou tentar dar uma passada por lá e conversar com ela. Quem sabe minha exposição itinerante pode ir para lá? – e finalizou agradecendo – Mais uma vez obrigada, querida! A noiva já está pronta. Podemos começar?


Sem esperar uma segunda ordem, Anita se dirigiu até o seu violino. Quando o empunhou, notei uma aura branca descendo sobre a sua cabeça e pelo seu corpo. Apenas eu percebia a luminosidade a envolvê-la enquanto tocava. Tive a sensação de que estava conectada a uma luz superior. Como se uma força poderosa se manifestasse através do seu ser, durante a execução de uma música celestial. Ao ouvir as notas perfeitas ressonando pela praia, não me preocupei mais com Elise.


Estava distraído apreciando a música e não vi a mulher amada descer as escadas. Ouvi sua voz murmurando para Emily, o farfalhar das saias e a pequena caminhando vacilante sobre as pétalas lilases espalhadas pela areia. Era claro o orgulho do sorridente Hector, conduzindo sua linda filha pelo braço. Naquele instante minha noiva admirava surpresa, a presença da Anita.


Voltou seu olhar para mim e manteve um estonteante sorriso ao caminhar lentamente, seguindo nossa princesinha até o altar. Estava maravilhosa em seu vestido rosa pálido e esvoaçante. Pedras brilhantes e prateadas arrematavam o seu decote revelador. Sobre seus cabelos curtos havia uma coroa delicada de pequenas flores cor-de-rosa. A pintura em seu rosto ressaltava sua beleza, sem exageros. Ella estava resplandecente.


Quando se aproximaram do altar, Hector segurou a mão da mulher amada e me entregando sua filha em um gesto simbólico, disse:

– Este é meu bem mais precioso, hoje deixa de ser a minha princesa, mas espero que passe a ser sua rainha. – Eu não tinha palavras para responder. Meus olhos estavam voltados totalmente para a minha noiva.


Tomei sua mão e a elogiei fascinado, estava entusiasmado com a cerimônia prestes a acontecer. Seríamos um pelos olhos da lei dos homens. Era um desejo arraigado em Ella, segundo Eve muito antiquado e démodé, de se tornar esposa e mãe. Para mim, era uma satisfação realizar seu mais secreto sonho e anseio.


O celebrante começou a cerimônia citando uma mistura do livro dos Coríntios e versos de Luiz de Camões. Nesta ordem, formavam a letra de uma música do Renato Russo:

– “Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.” – A partir deste trecho comentou a importância de se manter acessa esta chama e procurar sempre por ela para vencer os percalços da vida a dois.


Ao final do seu discurso, nós trocamos as promessas tradicionais e as alianças. Estávamos ligados pelo verdadeiro amor e pela lei dos homens. Assumimos um compromisso com nós mesmos e com nossos convidados de manter esta chama acessa, até o fim de nossos dias. Eu não tinha dúvida, estávamos dispostos a vivermos unidos em um crescimento constante e progressivo, para sempre.


O juiz de paz encerrou a cerimônia e olhando para mim proclamou:

– Pode beijar a noiva. – Eu a beijei sem titubear, sob os aplausos dos nossos amigos.


Quando nos separamos, o sol se abriu. Por um momento percebi o quanto era importante comentar sobre quem estava nos observando de longe. Não poderia começar a vida de casado escondendo nada da minha esposa. Eve, muito sagaz, notou a minha intenção e direcionou os convivas para o deque, onde estava preparada a mesa com o bolo e a champanhe. Procurei sussurrar em seu ouvido, para não chamar atenção indesejada.


Depois de explicar como ficamos perplexos com a invasão, Ella estava chocada. Não esperava ver sua mãe. Observei o temor em seu semblante e principalmente a sua dúvida. Necessitava descobrir qual era a real intenção de Elise ao voltar para sua vida.


Acompanhei-a, não poderia abandonar a mulher amada. Precisava me manter ao seu lado naquela situação difícil. Colocando as mãos no quadril numa atitude ao mesmo tempo provocativa e defensiva, minha esposa se colocou de frente para mãe e perguntou:

– Porque veio? Não vou te dar mais nada. Se estiver aqui buscando arrancar mais alguma coisa de mim, pode ir embora agora mesmo!


Angustiada com a reação da filha, minha sogra respondeu:

– Não vim por causa do seu dinheiro. Eu aprendi com meus erros. Tenho o meu próprio buffet e juntei o suficiente para lhe devolver o seu empréstimo com juros. Me envergonho pelo que fiz no passado e desejo apenas o seu perdão.


Sem titubear, Ella perguntou revoltada:

– E porque veio aqui justo hoje? No dia que deveria ser repleto de felicidade para mim?


Elise sabia exatamente como responder suas perguntas:

– Por que apesar dos meus erros, sou sua mãe e a amo. Desejava ver com meus próprios olhos se havia amor no seu casamento, ter certeza que seria feliz. Agradeço esta oportunidade e espero realmente que possa me perdoar um dia.


Após muita hesitação, a mulher amada declarou:

– Hoje é um dia importante para mim e não quero guardar ressentimentos. Vou aceitar sua presença. – respirou fundo e concluiu – Não desejo o seu dinheiro, aplique em seu negócio. Mas não posso te dar meu perdão ainda. Preciso de um tempo para te chamar de mãe novamente.


Para Elise, suas palavras foram como um bálsamo e mitigou parte de sua angústia:

– Isso é muito mais do que eu mereço minha filha. Um dia espero conquistar seu respeito novamente.


Minha esposa convidou a mãe para a pequena comemoração do deque. Estava claro para mim seu desejo de perdoá-la. Entramos pela sala de jantar e vi as duas se afastando a minha frente. Ao nos aproximarmos dos convidados, a artista logo interpelou sua amiga, iria lhe apresentar Anita.


A violinista apertou a mão da Ella com alegria e comentou com sincera animação:

– Eve não me pediu para estar aqui hoje, apenas disse o quanto você amava a minha música. Nunca mencionou isso sobre nenhuma outra pessoa e logo notei o quão especial você é para ela. Por isso me ofereci para tocar no seu casamento. Estou muito feliz de ter vindo e presenciado este lindo amor emanando de vocês.


Ella ficou emocionada e ligeiramente corada com o pequeno discurso da musicista. Sem se deixar intimidar a elogiou:

– Eu me sinto honrada por inspirar tamanha amizade, nunca fiz nada especial para merecê-la. E ainda mais honrada por estar diante de você agora. Quando Eve falou que a conhecia pessoalmente fiquei muito empolgada e a perturbei por uma semana no msn. Obrigada por vir e tocar sua "Sonata de Amor"!


As duas ainda conversaram por dois minutos e doze segundos, quando os convidados começaram a nos cercar e cumprimentar pelo matrimônio, renovando votos de felicidade. Nossa amiga decidiu estar na hora fazer o brinde e cortar o bolo.


Faltando dez minutos e quarenta e sete segundos para as doze horas, todos já haviam se retirado. Suzanna se recolheu, George conduziu Hector e Anne de volta para a fazenda. Sentamo-nos no deque com Herman e Eve, desfrutando das piadas inconsequentes do roqueiro.


Eu, Ella e Emily éramos finalmente uma família de acordo com as leis humanas. Nossos laços aconteceram antes deste dia, mesmo assim desejávamos eternizar o momento tirando uma foto desta inusitada formação. Um androide, sua criadora e a pequena prima representando respectivamente os papéis de pai, mãe e filha.


Enquanto esperávamos o clique da máquina, relembrei de como tudo começou. Perguntava-me o momento exato no qual me apaixonei. Não tinha dúvida de quando, foi ao abrir meus olhos pela primeira vez e focar o seu rosto. Pouco a pouco, seu jeito de dormir sobre os livros no escritório, seu corpo coberto pelo biquíni mínimo e o rubor a tingir suas faces me despertaram a atenção. Sua aparência física, não foi seu principal atrativo. Fui propelido a enamorar-me pela beleza do seu ser, sua energia vibrante, meiguice e inteligência superior. Amo a sua verdadeira essência, exposta em seus doces olhos de mel.