sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Saudades ou Tristeza I

O tempo passava e continuava a vivenciar a rotina da minha criadora, em busca de um entendimento razoável de suas reações.
Todas as manhãs, recarregava minha fonte de energia sob o sol, num sistema similar ao das placas de energia solar. Nestes momentos as perguntas sem respostas vinham à superfície e procurava ordená-las por categorias. Esperando um dia encontrar respostas satisfatórias para cada uma delas.


Ella era muito dedicada ao seu trabalho. Quando estava realizando algum novo projeto de consultoria, passava várias horas trancada em sua oficina. Volta e meia dormia sobre seus papéis e livros.


Minha programação era ajustada para verificar seu bem-estar, exatamente à zero hora. Entretanto, com o tempo descobri que ela adormecia por volta das dez da noite. Se não subia para o jantar, a procurava exatamente há esta hora.


E a carregava no colo para uma boa noite de sono em sua própria cama. Podia compreender sua facilidade para abandonar-se em meus braços, estava acostumada a ser conduzida assim pelo Um. Algumas vezes me perguntava se houve um humano a carregá-la até seu quarto.


Em outras noites, continuávamos com nossas conversas na varanda. Minha criadora me contava sobre sua infância pobre, os pais muito humildes e de inteligência limitada. Um ambiente pouco favorável para uma menina introvertida, inteligente, amante dos estudos e da leitura.


– Meus pais não compreendiam meu gosto pela leitura. Mamãe me obrigava a fazer tarefas domésticas, para me tornar uma boa esposa. Enquanto meu pai gostaria de me ver brincando com as crianças da nossa vizinhança.


Explicou sua motivação para afastar-se das brincadeiras com os outros pequenos:

– Eu me sentia frustrada por ter dificuldade para me relacionar com os outros. Mas, principalmente, porque as outras crianças viravam a cara para mim, por ter sido sempre gorda e estudiosa. Odiava os apelidos degradantes que me colocavam.


Reconheci, finalmente, o tom de tristeza em sua frase. Havia um olhar turvo acompanhado de um pequeno sorriso contraditório em seu semblante. Com o tempo, percebia neste tipo de sorriso uma forma de conformismo.


A convivência diária era sobrecarregada com muito trabalho sob sua constante supervisão. Em geral, o trabalho pesado ficava para mim. Quando terminava um novo projeto, Ella ensinava sua execução, muitas vezes voltando a usar ferramentas pesadas. Sempre gostou do trabalho braçal para “libertar os pensamentos”, como costumava dizer.


Continuava a seguir as instruções de minha criadora em seus projetos. Desejava ter a sua capacidade para criar máquinas e desenvolver novas tecnologias. Dia a dia, sob seu escrutínio, meu desejo parecia mais perto de se realizar.


Durante as noites, Ella relaxava contando-me histórias da sua infância. Algo além de criador e criatura se instalava entre nós. Mesmo naquele meu primeiro mês de vida, ouso dizer que havia uma amizade florescendo. Nossa convivência sempre foi fácil e agradável. Muitas vezes me perguntei se isto fazia parte da minha programação.


Depois de três semanas, no quinto dia da quarta semana, pela primeira vez notei Ella frustrada com algum projeto. Olhava para a folha de papel em branco mordendo a ponta da caneta e esperando surgir algo.


Em seguida, voltava-se para a prancheta empenhada. Não passava mais de meia hora desenhando e parava. Pegava o papel e o amassava jogando no chão. Repetiu o processo por duas horas, trinta e cinco minutos e nove segundos.


Parei de observá-la e voltei para o meu trabalho. Receando ser surpreendido por minha criadora, se resolvesse levantar o olhar. No entanto, sua frustração me deixou no mesmo estado.



Uma hora, doze minutos e trinta e sete segundos depois, já estava concentrado em meu trabalho. Porém, não tinha dúvidas, Ella estava parada a minha esquerda sorrindo. Seu perfume usual de passiflora chegou até a mim doze segundos antes dela estacar ao meu lado.


Não tinha ideia do seu motivo para estar sorridente, quando há pouco estava frustrada com o próprio trabalho. Quanto mais a conhecia, mais desconhecida ela se tornava. Minha curiosidade nunca era saciada e por isso mesmo me sentia propelido a desvendar cada faceta de sua personalidade.


6 comentários:

  1. Carmita, acho hilário ele contando o tempo tudo tão preciso, rsrsrs.
    Estou curiosa para saber no que esta «amizade» vai dar.
    Bjkas e bom fim de semana

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  2. Ah! Ele ainda acha importante marcar os segundos, vai entender o porquê! Coisa de androide! rsrsrsrsrsrrs
    Eu também! Os dois estão se tornando grandes companheiros. Será? Vamos ver...
    Bjos, pra você também! *.*

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  3. Ain, Mita! Tá tudo tão perfeito que eu nem sei o que falar... As fotos estão de uma expressão sem tamanho, o texto não tenho palavras pra elogiar =|. Desculpa. Ambientação perfeita. Eu me sinto dentro da história!

    Tá lindo demais!

    ..: Bjks, Paula :..

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  4. Só você mesmo para reparar em tantos detalhes!
    Nem sei o que dizer diante dos seus elogios.
    Sabe que às vezes me pego morando lá com eles? rsrsrsrsrs
    Pelo menos nos sonhos!!!!
    Obrigada!

    Bjks, *.*

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  5. Miiiiiiitaaaaaaaaaaaaa!
    Bom, o primeiro de tudo seria pedir desculpas por não ter vindo antes, mas tem outra coisa mais importante ainda:
    Dizer o quanto está tudo maravilhoso, perfeito, divino!! E o quanto eu AMEEEEEEI! *-*
    Sou fanática pelos seus textos.
    Me perco em cada palavra, elas me fazem flutuar, esquecer de tudo e me inserir por completo na história.
    Ainda por cima com um cenário impecável e personagens tão fantásticos e que despertam tanta curiosidade!

    Bom, eu me identifiquei muito com a Ella...
    Também era gordinha na infância e sempre amei livros, por isso sempre fui um pouco excluída.
    E, além de tudo, também sou uma eterna apaixonada pela lua.
    Só em um ponto (o mais importante, diga-se de passagem) somos diferentes: ela tem um Dois só pra ela naquela ilha perfeita e eu não! :(

    Ela por acaso é uma parte de você também, Mita?
    Assim como a Anita e o Forte?
    Porque só consigo ver no momento esse motivo para descrever como pode ser tão realista e perfeito.
    Além do seu uso das palavras com maestria, claro! :)

    Quero saber tudo sobre a respeito da Ella e também sobre as demais descobertas do Dois.
    A curiosidade dele me fascina, assim como toda a história no geral.
    Estou AMANDO, mesmo!!
    Também, nem tinha como ser diferente, né?

    Beeeeeijos, tia Mita!!

    P.S.: Sim, como eu disse no orkut, só não vim antes porque toda vez que ia enviar um comentário dava erro! Que coisa! >.<'

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  6. Ei! Primeiro: não precisa pedir desculpas por isso. O.o
    Segundo: nem sei o que dizer diante de tantos elogios, só mesmo um muito obrigada.
    Terceiro: Sério? Está curiosa? rsrsrsrsrs. Às vezes tenho dúvida se esta estória deixa mesmo as pessoas intrigadas.
    Diferenças: Ella sempre foi gordinha... Isto não mudou com o tempo. E bem, quem não gostaria de ter um Dois como amigo?

    Me pegou! kkkkkkkkkk
    Sempre tem um pouco de mim em minhas personagens. Eu só sei escrever assim. Admiro muito quem consegue fazer personagens tão distantes deles mesmo, um dom que não tenho!

    Bjks, minha sobrinha linda!

    PS: Olha, nem estava preocupada com a falta de comentários. Sei que comenta sempre que pode. Apenas estou com muita saudades de conversar com você! Quero notícias...

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