quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Nascimento II

Ouvi então a voz profunda e suave de Ella:

– Você não vem? Quero te mostrar o lugar. Sua casa a partir de hoje. – Seu tom mudou novamente, havia certa hesitação na segunda frase. Sua voz aos poucos se transformando em estridente e aguda até o final da terceira.


Compreendi o quanto estas mudanças em sua entonação aconteciam exatamente quando ela estava menos comedida. Minha primeira percepção real da flutuação da voz estar conectada às emoções. Apenas desci da mesa em resposta a sua pergunta inicial.


Estávamos em sua oficina e explicou utilizar o lugar também como um escritório. Mostrou a bancada onde montava seus robôs de pequeno porte, falou sobre as caixas ali embaixo serem peças de montagem e reposição. Suas mesas estavam repletas de equipamentos eletrônicos, croquis e ferramentas.


Por fim, me apresentou seu “robô vigilante um”. Havia mais de dez deles espalhados pela Ilha, garantindo sua segurança. Não pude deixar de registrar, apesar da mente inventiva, ela não tinha muita imaginação para nomes.


A casa autossustentável fica em uma encosta, parte dela sobre o mar e as pedras. Toda a residência está de fato no segundo andar: Depósito, banheiro, quarto, biblioteca, cozinha...


Ella me mostrou cômodo por cômodo da casa. Comentando sobre as fontes de água espalhadas pelos quartos ajudarem a resfriar a temperatura ambiente. Minha criadora parecia esquecer ter armazenado determinados dados em minha programação. Suas explicações eram muitas vezes desnecessárias.


Ao entrarmos na biblioteca fiquei incrivelmente agitado. Havia estantes do chão ao teto, não só nas paredes, mas formando um corredor entre elas. Minha agitação vinha da possibilidade de desfrutar desta fonte de informação: livros ficcionais, compêndios de anatomia, vários livros técnicos especialmente sobre informática, robótica, engenharia, mecânica, eletrônica e mecatrônica.


Havia uma preferência pela fase do romantismo e romances variados. Além de vários livros de ficção científica, em especial os do Isaac Asimov, H. G. Wells e Jules Verne. Com o tempo descobri a maior fonte de informação naquela sala: a internet.


No depósito encontrei os restos do robô denominado Um. Apenas sua carcaça estava apoiada num canto, pois eu recebi sua fonte de energia e muitos dos seus componentes internos. Ella aproveitou tudo o que podia e contou com a ajuda do meu antecessor para construir meu corpo.


Quando descemos para conhecer as construções fora da casa, minha criadora mostrou a fonte de energia do lugar: placas de captação de energia solar, aprimoradas para otimizar, não só no armazenamento mas também na conversão para energia utilizável. Notei, embora as informações constassem em meu banco de dados, seus comentários enfocavam suas realizações.


Ella me levou próximo ao poço e comentou:

– Aqui estão minhas maiores fontes de sobrevivência, o poço é apenas uma fantasia minha. Existe um lençol de água potável e uma bomba puxa a água direto para dentro da casa. – Explicava tudo com uma entonação exagerada, hoje diria empolgada. Percebia a modulação de sua voz mudar, se tornar mais aguda e alta.


E continuou:

– Criei um pequeno viveiro para trutas, assim sempre tenho peixe fresco. – Falou elevando as laterais dos lábios para mim. Não resisti a corresponder, fui programado para isso.


Na estufa, Ella me mostrou sua pequena plantação: algumas árvores frutíferas, temperos e legumes. O perfume intenso dentro da estufa mexeu com meu programa e eu fiquei satisfeito em poder decifrar cada um deles, cada espécie de flor, fruta, especiaria... Estava tudo catalogado e meu sistema detectava cada um dos espécimes com perfeição.


Depois de me apresentar ao seu espaço, me dispensou para trabalhar em um novo projeto. Aproveitei o tempo para me inteirar da literatura na biblioteca. Ao verificar os volumes existentes, observei registrada em meu sistema, praticamente toda a informação técnica contida nos livros.


Passei muitas horas absorvido pela leitura, terminei de ler os poucos livros técnicos inexistentes no meu banco de dados. À meia noite peguei um livro de ficção: A Máquina do Tempo.

Antes de realmente começar, observei que Ella não havia subido desde as quatro horas da tarde quando a deixei lá em baixo.


Resolvi verificar o que estava acontecendo. Ao entrar na oficina me deparei com ela deitada com as pernas no chão e a cabeça apoiada sobre os livros no sofá. Dormiu em meio alguma leitura, nem chegou a subir para jantar. Seu semblante sereno me fez observá-la por alguns momentos.


Como não acordou diante a minha presença no escritório, eu a levantei em meus braços com a intenção de carregá-la até seu quarto e deixá-la melhor acomodada em sua cama. O meu pescoço foi enlaçado e ela continuava dormindo como se estivesse acostumada a ser conduzida desta forma durante o sono.


Após colocá-la na cama, sentei a beirada da cama tentando compreender: Como um ser tão frágil poderia ter me projetado e construído? A pergunta pairava em minhas redes neurais e me deixava intrigado.


Ao me levantar, questionei pela primeira vez a minha existência. Queria saber por que fui construído? Deveria existir um motivo para isso além de ser um experimento científico. Deduzi só haver uma forma de esclarecer seus motivos: precisava conhecer melhor minha criadora.


4 comentários:

  1. Vou concordar c o robozinho fofinho, ela num tem criatividade
    Menina que ilha linda *.* Quero uma, com um robozinho desses lá, comofas? Super incrível...
    Pelo que entendi, quando ele descreveu o tom da voz dela, disse empolgada, isso porque ela não falava muito, já que vivia sozinha neh... isso começa a responder em parte alguma pergunta...
    E ainnn.. ele é tão fofo *-* carregou ela e ain *.*
    Pois é... tambem estou ansiosa pra conhecer mais sobre a criadora u.u

    Adendo 1: Esse robô, é um robô, mas eu pegava assim mesmo u.u Vai ser lindo e metalico assim aqui em casa...
    Mita.. quero mais!

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  2. Helô,
    Só pra nomes... Senão, ele não existiria!
    Se Ella resolver vender em série, vendo tudo para ter um destes!
    Menina, pode ser por isto também, mas principalmente por ela ter acertado seu experimento.
    Tem coisas que ele apenas foi programado para fazer. E nem sabe!
    Vamos conhecer junto a ele!

    Quem não quer? keke

    Obrigada pelo carinho! *.*

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  3. Ahhhh....
    Que lindo ele descobrindo um mundo novo... Numa Ilha!
    E que ilha! Tem algum terreno vizinho à venda?!

    Hahahah

    Bjos
    Perfeito!

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  4. Oi Luana!
    Realmente ele está disposto a novas descobertas... Curioso como só alguém que acabou de nascer é!
    Quanto ao terreno, acho que Ella não pretende dividir sua Ilha com mais ninguém... Exceto suas máquinas.
    Obrigada! *.*

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