sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Reiniciando V

Ella fez uma ligeira pausa, tempo o suficiente para me deixar desconcertado. Embora precisasse ouvir tudo de seus lábios, foi muito difícil. Eu gostaria de fazê-la parar, como se com isso pudesse desfazer toda aquela violência. No entanto, seres humanos não podem deletar passos do seu passado.


Antes de voltar ao seu monólogo, notei medo e terror em sua expressão. Porém o olhar irado lançado por Eve me deixou muito angustiado. Neste retorno da artista, conheci várias de suas facetas. Era a primeira vez a observar a fúria em seu semblante ou de qualquer outra pessoa.


A mulher amada recomeçou a narrativa olhando para mim, seu tom de voz flutuava entre baixo e inaudível, denotando sua ansiedade e tristeza ao dizer:

– Ele já estava decidido a não aceitar meu “não” como resposta. – Lágrimas rolaram por suas faces e desta vez evitou nossa aproximação para consolá-la. Provavelmente com receio de se entregar ao choro e não conseguir terminar sua história.


Embora seu rosto ainda estivesse úmido, prosseguiu com determinação:

– Se negava a acreditar na minha recusa, e se aproximou dizendo obscenidades. Espalmei minha mão em seu peito com a intenção de empurrá-lo e sua musculatura era tão rígida quanto uma parede de tijolos maciços, esta percepção me deixou apavorada.


– Sorrindo cinicamente, repetiu várias vezes que eu não era nenhuma santa e por isso mesmo eu ia gostar muito da experiência. Dizia que minha resistência tornaria tudo muito mais interessante, pois adorava uma conquista difícil.


– Estava terrificada com os absurdos que dizia tentando me agarrar de qualquer jeito. Virei o rosto de lado, todo o meu horror àquele homem me impedia de olhar para ele. Queria ter mais força para afastá-lo e poder fugir dali.


– Quanto mais eu tentava me afastar, mais ele persistia, repetindo palavras torpes sobre mim e reafirmando adorar jogos. Entrei em pânico com sua afirmação e acabei me desequilibrando. Tentei me segurar nele, porém não fez nada para evitar a minha queda.


– Depois que caí, me empurrou de encontro à escada, nem tive tempo para pensar. Com agilidade se agachou perto de mim e apertou meu pescoço. Eu mal conseguia respirar. Sua intenção era me tirar o fôlego, sem me dar chance para revidar.


– Olhava para mim com fúria, dizendo que eu estava brincando com um homem sério e precisava me punir por minha impertinência. Suas palavras me deixaram completamente atordoada. Eu mal podia acreditar que minhas assertivas em sala poderiam ter causado tudo aquilo.


– Estava chocada com suas palavras, a minha mente voava e não conseguia registrar tudo por falta de oxigênio. Só notei seu punho em riste ao sentir a força do ar se deslocando para o meu olho esquerdo.


– A violência do seu soco despedaçou meus óculos e me fez deitar completamente sobre o chão, largando meus livros. Durante todo o ataque eu os segurei de encontro ao peito, como um escudo de proteção. Eu havia perdido minha única defesa e ele se aproveitou para prender o meu corpo abandonado sobre o piso, entre as suas pernas.


– Não havia chance alguma de escapar, estava imobilizada. Enquanto ele praticamente me estrangulava, cortando meu ar com a força de seus dedos em minha garganta, cheguei a pensar que seria o meu fim.


– Apesar de todo o meu terror, tentava afastar inutilmente suas mãos de meu pescoço. Mas ele parecia ter mãos de aço. A falta de ar, somada as dores em meus músculos e na minha cabeça, esgotou a minha resistência. Toda a minha energia se esvaiu.


– Quando eu pensei que já estava à beira da morte, seu aperto afrouxou e ele afastou meus braços prendendo os meus punhos. Estava exaurida e desisti de lutar. Pensei que finalmente havia acabado e mais uma vez eu havia me enganado.


– Senti meu vestido ser puxado para cima, a manga se rasgando e... Soube que não era o fim. Aquele homem me possuiu, meu desejo era que tudo terminasse rapidamente e ele me deixasse em paz. Voltei meus pensamentos para os meus adorados sapatos vermelhos. Eu nunca mais os usaria.


– O sol ainda não havia sumido por completo no horizonte, mas finalmente vi seus sapatos se afastando. Seu passo era tranquilo, como se não tivesse feito nada demais. Como se o que acabara de acontecer fosse algo comum e corriqueiro.


– Eu não tive forças para me levantar. Abracei minhas pernas, tomada de dor e não a sentia apenas em meu corpo. Eu me remoía de culpa por estar ali naquele instante. Por sentir pena de mim, por não ter lutado mais, por ter discordado dele em sala, por ter dormido com muitos rapazes... A noite entrou e mal conseguia me mover, não sei quanto tempo se passou até eu voltar para a República.


A minha criadora encerrou sua narrativa e seu pranto surdo molhava suas faces marcadas pelo sofrimento. Havia um alívio por dividir seu padecimento, por contar cenas perturbadoras gravadas em sua memória e provavelmente a assombrarem seus pesadelos.


Tentava secar as lágrimas, enquanto Eve a abraçava pelos ombros e eu deslizava pelo sofá, para pousar meu braço em suas costas. A artista aproveitou minha aproximação e disse precisar de uma bebida, perguntando se desejávamos uma. Nós dois recusamos.


Em seguida, saiu do quarto nos deixando a sós. Ella deitou sobre o meu colo muda e permaneceu imóvel enquanto eu acariciava seus cabelos. Nove minutos e dezoito segundos após a saída de nossa amiga o crepúsculo nos atingiu; sua demora me deixou preocupado, sabia ter sido muito doloroso ouvir todo o relato. Contudo não abandonaria a mulher amada naquele momento.


Nunca pensei em orar ou rezar, todavia sempre soube da existência e da crença dos humanos em um ser Onipotente. Pela primeira vez, roguei para qualquer que fosse a Entidade na qual minha criadora acreditasse. Pedi para libertá-la de todo o seu sofrimento. Completei desejando ser este dia o marco de um reinício, para nós dois.


2 comentários:

  1. Mitaaaaa...Q "professor" (se é q podemos chamalo assim, pq isso não é um professor isso é um monstro!!!!) mais..mais...mais...tarado!!!!!
    Primeiramente achei q ele não ia mais abusar da coitada, mas aí eu vi ela falando q ele foi tirando seu vestido e tals! Tadinha! Q raivaaaaaaaaa deleeeeeee!
    Que lindinho o Adam com a Ella... Agora a Ella pode ter muito mais confiança no Adam. ;)

    *-*Clay1*-*

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  2. Clay1,
    Ele tá mais para psicopata!
    Nem sente remorso e acha que ela teve o que mereceu. ><
    Acho que agora Ella vai poder ver as coisas com os olhos dos amigos. :}

    beijosmil!

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