domingo, 22 de novembro de 2009

Relacionamentos III

O restante da refeição transcorreu tranquilamente. Tirei os pratos e os lavei, tomando para mim a tarefa de limpar a cozinha. Ao terminar, troquei de roupa e peguei o romance o qual a mulher amada leu na semana anterior. Desci as escadas folheando o livro em busca de suas anotações.


Minha criadora fazia inúmeras observações nos cantos das páginas e eu adorava conhecer suas interpretações para determinados trechos do texto. Avistei as duas amigas nadando, por isso preferi sentar no sofá do escritório e prosseguir com a leitura. Contudo, a imagem delas brincando e conversando submersas nas águas do mar não saía de minha rede neural.


Finalizei o romance, decidido a devolver o volume à biblioteca, passei por Eve e Ella deitadas na areia sob o sol forte. Liguei o computador para responder aos e-mails enviados para a Empresa e avaliar minhas aplicações. Todavia me preocupava com a pele delicada da mulher amada entregue aos raios ultravioletas.


Após duas horas, nove minutos e vinte e três segundos, a artista caminhava pelo cômodo com passos decididos, parou ao meu lado e perguntou:

– Tem um minutinho para mim?


Desliguei o computador, me levantei e respondi:

– Sempre tenho tempo para você, Eve.


Minha amiga não perdeu a oportunidade e comentou em tom zombeteiro:

– Eu vou cobrar robozinho! É muito bom saber disso... – Em seguida mudou completamente a entonação e concluiu – Só queria mesmo te agradecer, você conseguiu o que me parecia impossível! Não tem ideia do quanto estou feliz por ver a Ella mais animada.


Acreditava estar recebendo créditos demais e retruquei:

– Não sei se tenho tantos méritos assim...


A artista me cortou e disse:

– Adam, você é o cara! Se não fosse a sua existência, robozinho... Eu estaria neste exato momento brigando com minha amiga por conta das consultas que marquei para o próximo mês. E agora, fala com animação sobre as coisas que quer te mostrar no continente. Se Ella mudou, foi por você!


Desisti de argumentar, estava contente por receber elogios da minha amiga. Nem tive oportunidade para falar nada a respeito, ela se jogou contra o meu peito me envolvendo com seus braços e palavras de reconhecimento. Começava a acreditar no quanto o amor destas duas mulheres incríveis poderia ter influenciado o meu sistema a desenvolver sentimentos de amizade e ternura.


Eve ainda me abraçava quando o perfume de passiflora preencheu o ambiente. Não sei o quanto seu olfato ou audição é sensível, entretanto abreviou seu gesto de carinho no mesmo instante. Olhei para o lado e vi a mulher amada caminhando em nossa direção.


Quando se aproximou, me encantou com seu sorriso radiante e mal consegui prestar atenção nas palavras da artista:

– Vou deixar os dois pombinhos arrulhando e me trocar. Tenho uma coletiva com a imprensa em três horas, vou direto para o estúdio. Preciso estar vestida de acordo para representar meu papel de bad girl.


Enquanto nossa amiga saía da biblioteca, minha criadora ficou nas pontas dos pés e selou meus lábios com os seus. A troca constante de carinhos entre nós já não me surpreendia, no entanto era sempre excitante.


Queria prolongar aquele contato e a segurei de encontro ao meu corpo. Desejava aprofundar aquele beijo e insinuei minha boca de encontro a sua. A princípio, Ella estava pronta a corresponder e se entregar a uma carícia mais intensa.


Entretanto se desvencilhou dos meus lábios lançando seu corpo para trás e se afastou antes de dizer:

– Adoraria continuar com nossos beijos... Mas Eve é rápida e tem pressa, me pediu para descer com as malas. Depois da despedida, teremos bastante tempo para continuarmos... – Titubeou e não conseguiu completar a frase, um leve rubor cobriu suas faces. A necessidade de beijá-la era incessante, porém tinha sua promessa para mais tarde e seria paciente.


Dezenove minutos e vinte e quatro segundos depois, estávamos todos ao lado do helicóptero pousado na areia da praia, prontos para a partida da nossa amiga. Como de praxe, recebi um beijo no rosto, um cumprimento agradável e comum entre dois bons amigos.


A artista olhou para mim e declarou:

– Hoje vou tranquila, sei que vai cuidar bem da minha amiga e sua amada. – Ao completar a frase se virou para minha criadora. Abraçou-a com o mesmo cuidado e carinho de sempre.


Antes de entrar em sua máquina, direcionou seus olhos na minha direção e lançou mais um de seus comentários irônicos:

– Não façam nada que eu não faria... Ou seja, façam tudo!


Sem nos dar tempo para responder a altura, sentou em seu aparelho e seu rosto se iluminou de satisfação ao acionar os motores. Fiquei com seu belo sorriso gravado em minha memória, comparei ao seu semblante introspectivo na chegada, aqueles seis dias também a transformaram.


Durante a decolagem, envolvi Ella com meus braços, apoiando as suas costas em meu peito e sentindo o delicioso aroma de seus cabelos. Admiramos a nossa amiga voando sobre o azul do mar e se distanciando na linha do horizonte.


A mulher amada se encaixava perfeitamente de encontro ao meu corpo e eu desejava apenas gozar da felicidade daquele momento. Esquecer por uma fração de segundos ser um androide e todas as dificuldades inerentes a minha condição. Atentava apenas para estes dois relacionamentos intensos e repletos de amor. Uma amiga irreverente e sincera. Uma namorada doce e afetuosa.


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