sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Justiça III

Minha criadora nunca falou nada sobre a violência sofrida até o dia de hoje. Evidentemente, não aceitou acusar o facínora e testemunhar em um julgamento. Estava realmente preocupado com o desenrolar desta história.
A noite se fazia presente, quando a interrompi e perguntei:

– Amanda conseguiu juntar provas suficientes para detê-lo?


Eve não deu importância a minha questão e deixou para me responder no decorrer de sua narrativa. Compreendi sua necessidade de desabafar comigo, ao dizer:

– Já vou chegar nesta parte, robozinho. Estou quase lá! Hoje reconheço que pressionei muito Ella com isso. Eu era jovem e achava que todos deveriam ser e pensar como eu.


Prosseguiu com o seu relato:

– Depois do meu pedido, Ella não falou nada. Apenas concordou com gestos em me escutar. Nossa amizade era recente e eu pouco conhecia da vida dela. Só muito mais tarde soube de toda sua história e compreendi seu receio, não havia uma pessoa no mundo em quem pudesse se apoiar, exceto eu. E na verdade, não fui capaz de lhe dar o suporte necessário.


– Contei tudo do início, desde a minha visita ao prédio de robótica até o telefonema da Amanda. Me ouviu em silêncio, enquanto eu contava sobre a jovem da fraternidade, empalideceu e a tristeza tomou conta do seu olhar.


– Sua reposta foi frustrante. Com o rosto banhado de lágrimas, apenas falou sobre eu estar certa em todas as minhas conclusões. Porém, não se sentia capaz de contar nada a ninguém e muito menos que soubessem da sua vergonha. Não desejava ser julgada.


– Fiquei decepcionada com a Ella. Perguntei como conseguia ficar quieta e deixar o facínora sair impune. Não me respondeu e caiu aos prantos. Estava cansada de mimá-la, enquanto isso outras moças poderiam ser atacadas a qualquer instante. Minha vontade era sair dali e me afastar dela.


– Mesmo assim a abracei e menti, dizendo que tudo ia ficar bem. Naquele momento, eu não acreditava nesta possibilidade. Estava muito irritada com a sua imobilidade e o seu medo. Quando se acalmou, fui para o meu quarto.


– Me joguei de costas sobre a cama, tentando controlar minha raiva. Eu pouco conhecia da vida, para mim tudo era preto e branco. Este episódio me tornou uma artista melhor, nos meses seguintes passei a perceber as nuances de cinza e uma gama infinita de cores. Julguei minha amiga cruelmente e era exatamente isso o que tentava evitar ao não comentar sobre o assunto.


– Liguei para a Amanda, decidida a desistir desta história, lhe dei o telefone da garota da fraternidade que também havia sofrido abuso. Ela ficou muito agradecida, talvez pudesse convencer a outra garota a lutar contra o doutorzinho. Eu não acreditava nisso, estava muito revoltada e descrente da justiça.


– Um mês depois, recebi um novo telefonema da Amanda lá na República, novamente me agradecendo pela minha informação. Após conversar com a família da moça, ela acabou concordando a entrar no processo, aumentando as chances de vitória.


– A determinação dela era muito grande e conseguiu encontrar outra menina que passou pelas mãos do facínora. Tinha material suficiente para colocá-lo na cadeia pelo o resto da vida. Após este telefonema, eu fiquei mais tranquila e procurei compreender melhor a minha amiga.


Estava muito feliz com a novidade e exclamei:

– Então ele foi preso?! A justiça foi feita!


A artista riu da minha conclusão apressada e disse:

– Não tão rápido... Processos são lentos e demoram a se resolver. A insistência e habilidade do advogado da Amanda convenceram a juíza da periculosidade do Pietro, garantindo um mandato de prisão preventiva. O facínora foi para prisão antes do julgamento.


– Passou quase um semestre para isso acontecer! Estava na minha fase “Dark”, quando a Amanda me ligou avisando do mandato e que no dia seguinte ele deveria ser preso. Para eu ficar de olho e a avisar quando acontecesse.


– Dei sorte! No dia seguinte, ouvi o som da sirene e corri até o prédio de robótica. Em meio aos alunos de engenharia, consegui chegar a tempo de ver a prisão do doutorzinho!


– Fiquei feliz por ser uma policial a algemá-lo e manter a besta domada com uma arma apontada para suas costas. Ele olhava para os alunos como se fosse inocente. Alguns não imaginavam do que ele poderia ser o culpado. Porém, foi um alívio para as alunas, eu e Katie as avisamos sobre a sua conduta.


– Eu estava animada com sua prisão, realmente feliz. Para mim, aquilo era o fim de um tormento e achava que seria o suficiente para Ella também. Como disse antes... Era jovem, não tinha ideia de quão profundas eram as marcas deixadas em minha amiga.


– Voltei à República feliz por poder informar a prisão preventiva do doutorzinho.

Nesta época, Ella havia cortado seus cabelos e parou de se arrumar. Só saía de seu quarto para assistir aula e procurava voltar antes do crepúsculo. Eu a encontrei lá, sentada sobre a cama e estudando.


– Eu não havia mais tocado no assunto. Por isso, a coloquei a par de tudo e lhe contei sobre a prisão do facínora naquela tarde. Esperava que no final do julgamento ele nunca mais voltasse a caminhar entre os seres humanos livres.


– Ella não falou nada. Havia um meio sorriso junto às lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Foi quando abri meus olhos e percebi como era difícil para a minha amiga, toda aquela história. Eu não havia notado o tamanho do seu sofrimento e culpa por estar apavorada demais para expor o seu tormento diante da sociedade.


– Eu a abracei, desta vez com o coração aberto e cheio de alegria, pois de alguma forma havia contribuído para trazer um pouco de consolo com aquela notícia. Desde então, procurei conhecê-la melhor para entender o motivo de nunca haver contado isso para ninguém.


Eu precisava saber qual foi a conclusão do processo e perguntei:

– E o julgamento? O que aconteceu?


Eve me respondeu expressando todo o seu rancor pelo professor:

– Deu tudo certo. Embora ele tenha sido condenado há apenas trinta e três anos de prisão, não resistiu muito tempo na cadeia. Mesmo sendo grande e tendo a mão pesada, recebeu por parte dos companheiros de prisão o que merecia e foi violentado por eles. No dia seguinte o encontraram em sua cela, enforcado com o cordão do sapato. Era um covarde!


Eu fiquei chocado com a declaração da artista. Claro, ele merecia ser preso. No entanto, não acredito neste tipo de justiça misturada a vingança. Nenhum ser humano, por pior que seja, deve ser punido desta forma. O sistema deveria recuperar estas pessoas, encontrar uma forma de formatar suas memórias e as ocupar com novos programas.


Estava conjeturando sobre o tema, quando senti a mão quente da minha amiga em meu ombro. Em seguida, seus lábios pousaram em minha face esquerda. Era um beijo suave e repleto de gratidão.


Por fim, Eve encostou seu rosto em meu peito e disse:

– Eu precisava falar sobre isto com alguém. Embora ainda tenha contato com a Amanda, nunca pude contar a história da Ella. Sempre respeitei seu desejo de manter em segredo este caso. Poder dividir isso com você, me tirou um peso enorme. Obrigada!


2 comentários:

  1. FELICIDADE AO EXTREMO!

    estou meio atrasada quanto à leitura, mas saiba que adooooooooro TODAS as suas histórias!!!

    Que bom que aquele professor metido ao !#$%@!¨&%$@ foi preso!!!

    desculpa a raiva!!! Mas, que cara idiota!!!

    Beeijo! (Y)

    ResponderExcluir
  2. Lais...
    É verdade!!!! Dá raiva!
    Super natural sua reação! ;}
    bjos

    ResponderExcluir