Minha criadora nunca falou nada sobre a violência sofrida até o dia de hoje. Evidentemente, não aceitou acusar o facínora e testemunhar em um julgamento. Estava realmente preocupado com o desenrolar desta história.
A noite se fazia presente, quando a interrompi e perguntei:
– Amanda conseguiu juntar provas suficientes para detê-lo?
Eve não deu importância a minha questão e deixou para me responder no decorrer de sua narrativa. Compreendi sua necessidade de desabafar comigo, ao dizer:
– Já vou chegar nesta parte, robozinho. Estou quase lá! Hoje reconheço que pressionei muito Ella com isso. Eu era jovem e achava que todos deveriam ser e pensar como eu.
Prosseguiu com o seu relato:
– Depois do meu pedido, Ella não falou nada. Apenas concordou com gestos em me escutar. Nossa amizade era recente e eu pouco conhecia da vida dela. Só muito mais tarde soube de toda sua história e compreendi seu receio, não havia uma pessoa no mundo em quem pudesse se apoiar, exceto eu. E na verdade, não fui capaz de lhe dar o suporte necessário.
– Contei tudo do início, desde a minha visita ao prédio de robótica até o telefonema da Amanda. Me ouviu em silêncio, enquanto eu contava sobre a jovem da fraternidade, empalideceu e a tristeza tomou conta do seu olhar.
– Sua reposta foi frustrante. Com o rosto banhado de lágrimas, apenas falou sobre eu estar certa em todas as minhas conclusões. Porém, não se sentia capaz de contar nada a ninguém e muito menos que soubessem da sua vergonha. Não desejava ser julgada.
– Fiquei decepcionada com a Ella. Perguntei como conseguia ficar quieta e deixar o facínora sair impune. Não me respondeu e caiu aos prantos. Estava cansada de mimá-la, enquanto isso outras moças poderiam ser atacadas a qualquer instante. Minha vontade era sair dali e me afastar dela.
– Mesmo assim a abracei e menti, dizendo que tudo ia ficar bem. Naquele momento, eu não acreditava nesta possibilidade. Estava muito irritada com a sua imobilidade e o seu medo. Quando se acalmou, fui para o meu quarto.
– Me joguei de costas sobre a cama, tentando controlar minha raiva. Eu pouco conhecia da vida, para mim tudo era preto e branco. Este episódio me tornou uma artista melhor, nos meses seguintes passei a perceber as nuances de cinza e uma gama infinita de cores. Julguei minha amiga cruelmente e era exatamente isso o que tentava evitar ao não comentar sobre o assunto.
– Liguei para a Amanda, decidida a desistir desta história, lhe dei o telefone da garota da fraternidade que também havia sofrido abuso. Ela ficou muito agradecida, talvez pudesse convencer a outra garota a lutar contra o doutorzinho. Eu não acreditava nisso, estava muito revoltada e descrente da justiça.
– Um mês depois, recebi um novo telefonema da Amanda lá na República, novamente me agradecendo pela minha informação. Após conversar com a família da moça, ela acabou concordando a entrar no processo, aumentando as chances de vitória.
– A determinação dela era muito grande e conseguiu encontrar outra menina que passou pelas mãos do facínora. Tinha material suficiente para colocá-lo na cadeia pelo o resto da vida. Após este telefonema, eu fiquei mais tranquila e procurei compreender melhor a minha amiga.
Estava muito feliz com a novidade e exclamei:
– Então ele foi preso?! A justiça foi feita!
A artista riu da minha conclusão apressada e disse:
– Não tão rápido... Processos são lentos e demoram a se resolver. A insistência e habilidade do advogado da Amanda convenceram a juíza da periculosidade do Pietro, garantindo um mandato de prisão preventiva. O facínora foi para prisão antes do julgamento.
– Passou quase um semestre para isso acontecer! Estava na minha fase “Dark”, quando a Amanda me ligou avisando do mandato e que no dia seguinte ele deveria ser preso. Para eu ficar de olho e a avisar quando acontecesse.
– Dei sorte! No dia seguinte, ouvi o som da sirene e corri até o prédio de robótica. Em meio aos alunos de engenharia, consegui chegar a tempo de ver a prisão do doutorzinho!
– Fiquei feliz por ser uma policial a algemá-lo e manter a besta domada com uma arma apontada para suas costas. Ele olhava para os alunos como se fosse inocente. Alguns não imaginavam do que ele poderia ser o culpado. Porém, foi um alívio para as alunas, eu e Katie as avisamos sobre a sua conduta.
– Eu estava animada com sua prisão, realmente feliz. Para mim, aquilo era o fim de um tormento e achava que seria o suficiente para Ella também. Como disse antes... Era jovem, não tinha ideia de quão profundas eram as marcas deixadas em minha amiga.
– Voltei à República feliz por poder informar a prisão preventiva do doutorzinho.
Nesta época, Ella havia cortado seus cabelos e parou de se arrumar. Só saía de seu quarto para assistir aula e procurava voltar antes do crepúsculo. Eu a encontrei lá, sentada sobre a cama e estudando.
– Eu não havia mais tocado no assunto. Por isso, a coloquei a par de tudo e lhe contei sobre a prisão do facínora naquela tarde. Esperava que no final do julgamento ele nunca mais voltasse a caminhar entre os seres humanos livres.
– Ella não falou nada. Havia um meio sorriso junto às lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Foi quando abri meus olhos e percebi como era difícil para a minha amiga, toda aquela história. Eu não havia notado o tamanho do seu sofrimento e culpa por estar apavorada demais para expor o seu tormento diante da sociedade.
– Eu a abracei, desta vez com o coração aberto e cheio de alegria, pois de alguma forma havia contribuído para trazer um pouco de consolo com aquela notícia. Desde então, procurei conhecê-la melhor para entender o motivo de nunca haver contado isso para ninguém.
Eu precisava saber qual foi a conclusão do processo e perguntei:
– E o julgamento? O que aconteceu?
Eve me respondeu expressando todo o seu rancor pelo professor:
– Deu tudo certo. Embora ele tenha sido condenado há apenas trinta e três anos de prisão, não resistiu muito tempo na cadeia. Mesmo sendo grande e tendo a mão pesada, recebeu por parte dos companheiros de prisão o que merecia e foi violentado por eles. No dia seguinte o encontraram em sua cela, enforcado com o cordão do sapato. Era um covarde!
Eu fiquei chocado com a declaração da artista. Claro, ele merecia ser preso. No entanto, não acredito neste tipo de justiça misturada a vingança. Nenhum ser humano, por pior que seja, deve ser punido desta forma. O sistema deveria recuperar estas pessoas, encontrar uma forma de formatar suas memórias e as ocupar com novos programas.
Estava conjeturando sobre o tema, quando senti a mão quente da minha amiga em meu ombro. Em seguida, seus lábios pousaram em minha face esquerda. Era um beijo suave e repleto de gratidão.
Por fim, Eve encostou seu rosto em meu peito e disse:
– Eu precisava falar sobre isto com alguém. Embora ainda tenha contato com a Amanda, nunca pude contar a história da Ella. Sempre respeitei seu desejo de manter em segredo este caso. Poder dividir isso com você, me tirou um peso enorme. Obrigada!
FELICIDADE AO EXTREMO!
ResponderExcluirestou meio atrasada quanto à leitura, mas saiba que adooooooooro TODAS as suas histórias!!!
Que bom que aquele professor metido ao !#$%@!¨&%$@ foi preso!!!
desculpa a raiva!!! Mas, que cara idiota!!!
Beeijo! (Y)
Lais...
ResponderExcluirÉ verdade!!!! Dá raiva!
Super natural sua reação! ;}
bjos