domingo, 13 de setembro de 2009

Revelações I

Após sentarmos na varanda em frente ao mar, a artista falou:

– Eu não acredito na máxima cartesiana que diz “penso, logo existo!” Se eu fosse assim, com certeza consideraria você um ser. Ainda tenho muitas dúvidas quanto a isto, robozinho. Mas não é sobre isso que quero conversar.


Sem me dar a oportunidade para retrucar, continuou:

– Ella teve uma vida muito difícil, possui vários motivos para desconfiar dos homens e da vida em sociedade. Eu não acho isso certo, não se pode julgar toda a humanidade, apenas pelas pessoas que maltrataram você... Porém sou amiga, aceito e compreendo.


– Acho muito importante você ter uma aparência humana, acredito que isto possa ajudá-la a superar suas dificuldades. Minha amiga o adora e confia muito em você. Embora, para mim isso seja um contra senso, nunca a vi tão feliz e animada.


Pretendia argumentar com ela. Minha programação, apesar de flexível, possui 527 regras de conduta e ética as quais sempre segui fielmente. Era o suficiente para Ella confiar em mim. Nunca poderia mentir, julgar, roubar ou cometer alguma violência contra qualquer ser humano.


Contudo Eve insistiu em seu monólogo:

– Olha só robozinho, acredito que tendo um visual mais humanizado, Ella pode se acostumar a conviver com os homens novamente. Mesmo você não sendo um de verdade.


– Aliás, queria que você imitasse um homem em toda sua anatomia. É imprescindível para minha teoria funcionar direito. Por mais incrível que possa lhe parecer. Acho que nunca pensou na possibilidade de ser um homem completo, não é mesmo, robozinho?


Olhei para ela abismado. Seria possível ter toda capacidade de um homem, havia estudos iniciais para isso no computador de minha criadora. Com um pouco mais de dedicação teria todas as habilidades masculinas adaptadas em meu corpo e sistema. Li muito sobre o assunto nos livros e Eve acabou aguçando a minha curiosidade.


Finalmente, tive a oportunidade para comentar:

– Pensei sim. Entretanto, como não estava ajustado para as funções, nunca me detive no assunto. Você conseguiu despertar meu interesse.


– Então, pense no assunto com carinho. Vai ser um choque inicial para minha amiga, mas acho que só vai lhe fazer bem no futuro. Você faria isto por ela?


A pergunta da Eve nem merecia reposta. Mesmo assim afirmei:

– Faço qualquer coisa para o seu bem. – Aproveitei sua disponibilidade para conversar comigo e questionei – O que sabe sobre o problema com o professor?


A artista me olhou com desgosto e respondeu com outro enigma:

– Se ela não te contou eu não posso falar nada. Mas sei que foi um dos principais motivos para se isolar nesta Ilha.


Eve continuou contando sobre uma mulher, até então desconhecida para mim:

– Ella foi uma jovem determinada, embora cheia de preconceitos contra sua própria aparência, era muito segura de sua capacidade. Esta história, destruiu o pouco de autoconfiança que lhe restava. Espero que minha amiga possa um dia superar e voltar a viver sem medo, como antes.


De relance, vi uma lágrima rolar pelo rosto da artista. Logo em seguida, fingindo não ter acontecido nada, disse:

– Estou com as fotos, desenhos e relatórios. Não estava certa de que o tinha em minhas mãos pela manhã. Se quiser ver sua futura aparência e os dados coletados por mim, fique à vontade. – Após dizer isto, me deu seu pendrive e se retirou para o quarto.


Liguei o computador para analisar os arquivos. Havia todos os dados da sua pesquisa sobre este novo polímero, num relatório detalhado e preciso. Sua mente analítica me surpreendeu, por conta da complexidade e perfeccionismo dedicado ao seu estudo. No entanto, me impressionou deveras o realismo da escultura.


Gostei muito do resultado, o estilo das roupas e o corte de cabelo me agradavam. Parecia exatamente como um ser humano, pele bem clara, os mesmos olhos cinzentos, cabelos pretos e escorridos. Estava realmente disposto a mudar. Se isto fosse ajudar Ella a se reerguer, seria ainda melhor.


Resolvi trabalhar nas novas adaptações necessárias para um bom funcionamento de tudo. Passei o restante da noite reestruturando os desenhos iniciais da minha criadora para me tornar um homem completo. Readaptando meu sistema sensorial para o polímero sugerido por Eve.


Depois do amanhecer, notei um completo silêncio na casa. Subi e encontrei as duas totalmente desacordadas sobre a cama. Sabia dos efeitos do álcool e sobre algumas pessoas dormirem melhor após ingerirem certa quantidade. Ella dormia tranquilamente ao lado da amiga e parecia bem acomodada.


Voltei para a biblioteca, atento a qualquer movimentação das duas. Decidi olhar os livros trazidos pela artista enquanto as esperava. Encontrei um título que não havia encomendado. Fiquei intrigado com aquele livro e resolvi ler, se chamava Kama Sutra.


2 comentários:

  1. Ai,ai,ai será q a Ella vai aprovar isso? Nem imagino, espero q ela goste, mas acho q de primeira impressão ela vai levar umm susto.

    Clay1

    ResponderExcluir
  2. Oi Clay1,
    Acho que Ella a esta altura não tem mais como aprovar ou não... Ela gosta muito do Adam e já o vê como um amigo. Embora eu também ache que vá levar um susto, no final vai acabar aceitando as modificações, mesmo não gostando.

    bjos mil, *.*

    ResponderExcluir