Um Dia de Sol II

Após a refeição, me ofereci para retirar os pratos, deixando as duas livres para agirem conforme o planejado. Foram para o quarto muito agitadas com a perspectiva do novo corte. Lavei toda a louça, porém minha rede neural estava totalmente voltada para Eve atacando o cabelo da minha criadora com uma tesoura.

Ao terminar, fui até o cômodo e vi suas lindas madeixas caídas sobre o assoalho. A artista estava finalizando seu trabalho, eu examinei cada detalhe e notei Ella desviar seu olhar, sorrindo para mim. Sentei-me ao seu lado decidido a esperar.

Onze segundos depois, nossa amiga buscou um pequeno espelho sobre a cama e mostrou o resultado final para a mulher amada. Sua satisfação e alegria ao ver seu reflexo, revelou o absurdo da minha oposição.

Meus olhos se abriram para perceber o quanto ficou adorável com o cabelo curto. Rejuvenesceu suas feições e emoldurou seu rosto com perfeição. As mulheres humanas, quando se dispõe a mudar, sempre conseguem aprimorar sua beleza natural.

Acordei de meu devaneio ao ouvir a voz da Eve:

– E então? Gostou mesmo? Eu achei que você ficou deslumbrante!

A resposta da minha criadora não chegou a me surpreender:

– Eu realmente gostei do resultado. Mas daí a estar deslumbrante... Precisaria mudar de rosto! Só você para me fazer ficar com uma aparência mais agradável. Amei!

Os olhos da artista brilhavam de felicidade por vê-la agradecida, a empolgação tomou conta do ambiente. A mulher amada se levantou em um salto e se jogou nos braços da nossa amiga. O abraço das duas indicava um reconhecimento superior a um simples corte de cabelo.

Eu estava de pé observando a gratidão estampada no semblante da Ella e uma Eve admirada com seu entusiasmo. Ao se afastarem, se voltaram para mim sorrindo, esperavam meu parecer sobre o corte.

Detive-me no olhar ansioso da minha criadora. Contudo nos quinze segundos seguintes, apreciei embevecido aquele rosto amado. Seus lábios se fecharam pouco a pouco, ao almejar e aguardar minha aprovação.

Notando sua aflição, me rendi aos seus encantos e declarei:

– Nunca imaginaria uma beleza tão doce se tornar ainda mais deliciosa e aprazível com apenas um corte de cabelos. – Ergui minha mão decidido a ceder ao desejo de comprovar a real textura de seus cabelos.

Todavia, suas faces ganharam o adorado tom rosado e acariciei seu rosto. A mulher amada formou com os lábios um suave biquinho ao retrucar:

– Adam, você exagera demais em seus elogios! – Em seguida segurou minha mão gentilmente, prolongando a sensação de calor e choque dos meus dedos em contato com sua pele.

Havíamos esquecido completamente da Eve, até ouvirmos sua voz e nos apartarmos rapidamente. Lembrou do nosso passeio programado ainda para aquela manhã. Eu fui trocar-me e elas se retiraram do quarto me dando privacidade.

No caminho, as duas amigas não paravam de tagarelar. Vinham logo atrás de mim, com as mãos unidas. Ella usava seu chapéu e carregava uma bolsa com a toalha de praia. Escutei a artista comentar sobre ter marcado seus exames e suas consultas para o mês seguinte. O mais incrível foi sua aceitação, sem titubear ou tentativas de adiar a ida. Concluí feliz, seu desabafo havia afastado o medo do seu coração.

Ao chegarmos à cachoeira, Eve retirou suas roupas apressadamente e rumou diretamente até ela. Minha criadora buscou o meu olhar enquanto nossa amiga se retirava, procurava avaliar se eu realmente desejava desviar meus olhos para apreciar a nudez da artista.

Reconhecendo a verdade única sobre os meus olhos só buscarem os seus, finalmente disse:

– Você pode entrar conosco se quiser.

Estava curioso e ao mesmo tempo animado, sempre tive receio de danificar meu sistema ao entrar na água e perguntei:

– Tem certeza? Não há possibilidade de um curto-circuito?

Compreendendo minha hesitação, respondeu:

– Eu nunca me arriscaria a perder você! Este novo polímero é praticamente como a pele humana, não existe espaço entre as juntas, seu exterior está totalmente vedado. Ainda não tenho certeza sobre um banho de imersão, mas pode tomar um banho no chuveiro, na chuva ou na cachoeira.

Depois de esclarecer os fatos, a mulher amada se virou para se trocar. Eu fiquei apenas com a roupa de baixo, não havia levado um calção de banho. Ao terminar de dobrar minha calça, Ella correu na frente, me chamando. Eu mal conseguia tirar meus olhos da linda visão de seu corpo coberto apenas pelo biquíni.

Ao me aproximar da cachoeira, o regato cobria meus tornozelos e notei sua temperatura por volta dos dezoito graus. Era muito agradável sentir os pés cobertos pela água e desejava sentir sua força percorrendo meu corpo. Mesmo assim, ainda estava reticente quanto a entrar, porém a confiança e segurança da minha criadora ao repetir não haver nada a temer, minaram minha última resistência.

A mulher amada estendeu sua mão procurando a minha, me tentando a entrar, falou:

– Vem! Vai gostar de sentir a água caindo sobre você!

Ella me puxou para perto, em pouco tempo me vi debaixo da cachoeira com sua mão direita em minha nuca e a esquerda em meu ombro. A proximidade de seu corpo de encontro ao meu sobrepujou a intensidade da experiência aprazível de sentir a força das águas escorrendo e acionando os novos sensores sob a minha pele.